
Quem está inserido na produção científica dentro do campo da Psicologia hora ou outra se depara com a questão da produção da loucura e o movimento antimanicomial, ambos extremamente necessários para a produção de conhecimento e de construção de estratégias de cuidado.
Se você não está inserido nesse meio, em algum momento já pode ter se deparado com algum dizer sobre as violências produzidas nos manicômios e as lutas para substituição desse modelo. Mas o que isso significa?
Quando passamos a categorizar o sofrimento a partir de sintomas e a rotular as pessoas com um número identificador de adoecimento mental, que produz um transtorno para a continuidade da “normalidade” da vida social, nós passamos a criar distinções entre o normal e o patológico. Ou seja, passamos a determinar o que é normalmente aceito e o que desvia deste normal, o que é doente, o que é um problema.
De um lado entramos na discussão sobre a patologização da vida, e o quanto passamos a categorizar cada sintoma desviante como um transtorno para permanência em sociedade, algo que necessita de tratamento e medicação para adequação social. E nesse caso é inegável o quanto as redes sociais tem auxiliado em disseminar essa necessidade de inserção de diagnósticos para justificar inúmeras situações: desatenção, falta de memória, indisposição, dificuldade de concentração, manutenção do isolamento, excesso ou falta de sono, prejuízos na comunicação social (verbal e não verbal), entre outros.
E pasmem, não necessariamente esses sintomas indicam presença de um transtorno mental!!! Existem questões de adoecimento biológico ou de “ajustamento” social que podem ser mais explicáveis para as características acima do que um CID.
Entretanto, demonizar as categorias diagnósticas, apenas problematizá-las e entrar num discurso de anti psicodiagnóstico é prejudicial para quem, de fato, possui um transtorno em saúde mental e necessita de um diagnóstico para continuidade de um tratamento adequado, melhora na qualidade de vida, expansão do autoconhecimento e da autoestima.
Às vezes parece uma sinuca de bico e isso é trágico. Entendemos o quanto estar preso ao diagnóstico é limitante para vida, mas ao mesmo tempo eles são grandes aliados para a construção de cuidados adequados e direcionados em saúde mental. Isso sem tirar o fato de que eles nos auxiliam, e muito, quando pensamos na construção de políticas públicas em um sistema (e uma sociedade) que ainda é alicerçada em um modelo biomédico… A construção de estratégias psicossociais é diária, e manuais diagnósticos podem ser aliados nisso, não inimigos, só é necessário aprender a manuseá-los sem colocar como limitantes da vida.
Texto escrito junto com o psicólogo Mateus J. B. Cornelli CRP 08/38588